ARTIGO

Era uma vez os Heróis
Por Valdecir Calazans

Era uma vez um dia após a morte de Ayrton Senna. Os jornais estampavam ainda as manchetes cheias de dor e de paixão feitas sob medida para vender jornais para pessoas como eu, ávidas por toda sorte de notícias envolvendo o piloto e todo o universo que o cercava. Sim, havia ali uma estranha demonstração de correspondência, uma associação tão impensável num país tão afeito a divisões sociais e culturais. Havia neste reino distante um certo jornalista tecendo suas teorias sobre uma frase dita por um político qualquer ao comentar que o país estaria chorando a "perda de um herói, num país tão carente deles". E o jornalista comentava que o político não soube dizer quais os outros poucos heróis que o povo ainda tinha. Na verdade, uma insinuação interessante: Quem são nossos heróis? Que é feito deles? Como se parecem, o que fazem para ser heróis? Quê sei eu de heróis?
Eu nasci numa época em que haviam heróis. Haviam pessoas desaparecendo simplesmente porque diziam o que pensavam acerca da situação de violência e cerceamento da liberdade que cercava o cenário nacional. Havia aqueles que não se podia simplesmente fazer desaparecer porque eram conhecidos demais. Estes então eram convidados a saírem do país e viverem no exílio por tempo indeterminado. Entre eles haviam alguns heróis que hoje estranhamente consideramos inimigos, ou quase isto: Fernando Henrique, Leonel Brizola. Havia também aqueles que pareciam heróis. Lembram do Geraldo Vandré ("Vem, vamos embora, que esperar não é saber”) e o Paulo Francis? Claro, eu desculpo o Paulo Francis, ele até que tinha idéias pouco atinadas com a maneira de pensar da nossa direita da época, mas daí a considerá-lo subversivo, vá lá, sejamos realistas, não dá. Ele tinha até cargo editorial no Pasquim, vejam só isto. Logo no Pasquim do Jaguar, campeão de resistência do humor e da esquerda, bastião na luta dos direitos da democracia. Bem, ninguém é perfeito.
Onde então ficaram então os heróis? Morreram pelas próprias mãos? O que é feito hoje dos heróis do passado? Valdemir Palmeira, do diretório estudantil do Rio, antes um líder da militância de esquerda, do socialismo e da igualdade social é hoje um deputado federal quase desconhecido. Lembram-se do Fernando Gabeira? Alguém pode imaginar que este distinto senhor, um dia no passado fez parte de grupos de milícia revolucionária e inspirou nossa fantasia acerca da coragem e da defesa dos ideais de liberdade e igualdade? (O que é isto companheiro?) Podemos citar o José Dirceu (Ele mesmo, o presidente nacional do PT de hoje), o líder estudantil da PUC naquele período conturbado, tão mudado hoje em dia. Pois é... Alguns poucos continuam os mesmos heróis daqueles tempos difíceis. Podemos citar o Betinho, o Herbet Souza, o irmão do Henfil. O Betinho, puxa vida. Eu quase esqueço dele... Ah, mas aí eu chego à simples constatação de que realmente temos uma memória estranhamente curta. Claro que agora, eu me lembro do Betinho, da sua campanha da cidadania contra a miséria e pela vida. E fica mais fácil lembrar do Chico Mendes. Teotônio Vilela, , o menestrel das Alagoas.. E que dizer de Santos Dias, heróis da classe operária, morto em manifestações em prol de trabalhadores? E do Vladimir Herzog ao lidar com o DOI-CODI (Suicídio? Depois de sessões intermináveis de choques e pancadas?). Tanta gente que partiu no rabo do foguete....
Era uma vez um povo tão repleto de heróis. Era uma vez um povo tão cheio de esperança nos corações. Era uma vez uma história que poderia ter sido contada diferente, se aquele som surdo que saía da boca destas pessoa tortas que se tornaram heróis, e que hoje estão esquecidos, encontrassem ecos na nossa mente, reverberassem em nossa coragem e tomasse conta de nossa juventude, de nossa determinação. Mas estamos ficando todos fracos e velhos, cansados de tentar. Já não somos mais um bom exemplo para as gerações futuras. De que barro somos feitos, afinal? E lá no fundo da minha mente, um som enfraquecido com palavras de ordem ainda retine. A cena é em preto e branco, há cartazes nas mãos de imberbes que os empunham com vigor, há esperança no olhar e nas vozes que entoam em coro a velha canção: "Vem, vamos embora, que esperar não é saber. Quem sabe faz a hora,não espera acontecer..."

A seção “Artigo” é escrita por integrantes da Rede Berel, colaboradores e amigos, não significando que as idéias expostas aqui sejam necessariamente a opinião deste informativo.